PALIMPSESTO
Palimpsesto
o
mesmo texto
ou
outro texto
sobre
o anterior
a raspagem para
dar lugar
ao outro
o novo
enquanto
o velho vira pó
o
mesmo texto
e
o outro texto
ambos
no mesmo espaço
em
tempos distintos
o
mesmo texto
sobre
o mesmo espaço
margens e
e s p a ç o s
entre
as letras
variados
ambos
sobre a
mesma
superfície
tão
cara
apreciada
e valorizada
dois
apenas não
tantos
mais até aguentar
tanto
aguenta o espaço?
sabe-se
lá!
e
os outros quanto serão
valorizados
ou desvalorizados
ninguém
sabe
sabe-se
do pó: este voa
pó de papiro
ou pergaminho
será
o que entra pelas janelas ainda hoje
ou
está soterrado?
pergaminho
e papiro - tão valiosos e raros - preservados
mas
caíram em desuso
o
texto?
ainda
persiste
igual
às margens e espaços geográficos
persistência
ímpar
por
quê? pra quê?
por
cargas d'água
que
seja per se
e
sendo apenas
valer
tanto quanto
a raspagem e o
escrever
o
dar valor ou esquecer
o
ser e não ser
e
tantos sentidos feitos somente caso se escreva
e
se fale
e
se pense
e
se invente
por
Ser uma invenção contínua igual a vida
de quem vive
tal
o palimpsesto
raspado
e reescrito
com
resquícios da anterior escrita
a
nova sobre a antiga
nem
que seja pra dizer
a
mesma coisa
mas
que se reflita
se
for a mesma
reescrita
já
será outra e pronto
servindo
assim o espaço pra abrir
ao
ser raspado
um
novo espaço
e
o pó levado aos quatro ventos
e
talvez aspirado por alérgicos - coitados - espirrarão
e
gotículas de textos em pó voarão
ou
a tosse incômoda dos bronquíticos
em
perdigotos incontáveis
espalhando
os textos
invenção
distante
longínqua
deste mundo tão
ou
quase
inteiramente
descartável
o
Palimpsesto foi o primeiro artigo descartável!
e
caro
e
admirado
e
a escrita percorre sobre
tão
sedutora
e
espantosamente duradoura superfície
até
hoje nos chega
somente
demudada daquela bela e valorizada
arte e
ciência esotérica
domínio
de tão poucos
banalizada
agora sem quase necessidade
de
borrachas ou teclas delete
ainda
que se escreva e que se apague
ainda
que se invente e se raspe
aonde
está o valor? a que se dá?
dá-se
o valor ao palimpsesto e às escritas e às vidas e invenções
e atos e gestos e sentimentos e delicadas rendas e artes e
pescas e caças e
semeaduras
escorrem por terras longínquas
igualmente
ninguém deseja morrer embora se morra queira ou não queira
valorizar
e ser
a
cafeteira elétrica ou vídeo game moderno tendo mais
cartaz que o Texto
que
esta caligrafia horrenda minha ou de vocês - de mim sei
eu
sempre preguiçosa de preencher cadernos de caligrafia -
primário
distante
memórias
Tudo
ao soar do relógio de corda ou bateria ou ao por e nascer
do sol
Tudo
vai sem volta
o pó
voando
e
o texto sendo feito
o
palimpsesto em desuso
e
modernos computadores sendo despejados no mercado aos sôfregos
consumidores
sonhos
de consumo
e
textos escritos e reescritos sem deixar resquícios
as
sombras
os
mal raspados
as
marcas de traços
indicações
de frases ou palavras ou letras
a
invenção da palavra
texto
livro
a
invenção de que se é no mundo e o mundo é um Lar - doce
Lar -
ou ninho ou
Planeta vagando num Universo infinito
a
constatação dolorosa do minguado tamanho
a
enorme fragilidade
das
limitações - sobretudo do Tempo - nosso
a
sabedoria - sapiência -
saber
que se sabe tanto e se morre mesmo sabendo
ou
sem saber - é igual -
ser
palimpsesto na vida
ser
raspado e dar lugar
ao novo texto
virar
poeira o antigo corpo
ser reescrito
a cada ciclo
ainda
os restículos
há
que se ter coragem de se raspar
e
de se reescrever
e
de se ler o novo
e
admirar o espaço geográfico
vasto
e sem limites - exceto o espaço físico - corpo minguado
porém
ser palimpsesto na alma - ela exista ou não -
onde
não há fronteira nem limitação alguma
reescrevendo
e reescrevendo e reescrevendo
tudo
até
as próprias ilusões
e
ao se voltar à vida comum e banal
ver
como sendo Palimpsesto se é humana total
e
quanto o valor do espaço da tinta da raspagem do texto da
caneta do lápis ou o que seja
e
do leitor - sobretudo -
é
real
constatar:
palimpsesto que seja que sejamos!
escrevermos
uma história nova ao nosso velho mundo
e
sermos mais doces com a palavra dita tanto quanto com a
escrita
e
deixarmos a vida sem o peso de tê-la vivido mal vivida
e
de que o mundo esteja melhor daqui pra lá
palimpsestos
reescritos tantas vezes até virarem pó
e
à última raspagem seja do último texto
sem
salvar em discos rígidos
nem em
cópias leves
Salvos
por ventos longínquos que os levarão
e
neste texto derradeiro estando a verdadeira
definitiva
intenção do recomeço
embora
na vida não dê tempo pra tantos
estando
ele ainda vivo transmudado em pozinho
vivo
na existência
na
insistência
na
resistência
na
imanência
na
consciência de saber da finitude da vida e de tudo que não
seja inteiro verdadeiro
absolutos
prazeres permeiam a jornada
entre
os quais raspar o texto anterior
escrever
outro e ler aproveitando o suporte e dando cores lindas à
palavra escrita
e
sentido ao pensamento tido
Palimpsesto
é isto:
as
ideias fixas e a memória esquecida no mesmo papiro pergaminho
papel bytes
enfim
um corpo
escrito
Leitores
existirão?
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