(Para
um cão meu vizinho que late)
O
cachorro late
incansável
sem pausa
nem respira
indiferente se
hoje é o último dia
de 2011
ele só late sem se preocupar
de acordar a vizinhança
de repente pára
dá uma latidinha
fraca e pára
alguém chegou? algo aconteceu?
sua vontade foi
saciada ou talvez o estorvo retirado
o cão se cala
o latido é
a fala dos cães e AuAu é tão pouco
usam a entonação o
volume
e dão ênfase ao dizer
mas é só AuAu e é pouquíssimo
a
quem tem tanto a dizer
há um desespero incrustado
em certas
horas de impossibilidade
em se expressar
ele então abana o rabo
essa compensação é um achado – mas há uns sem rabo –
e nós
humanos cheios de palavras
fonemas que não acabam
mais
neologismos e grunhidos
estalos de língua
assovios
dispomos de
tanto
às vezes para dizer tão pouco ou nada
e – pior –
quando se fala negatividades
insultos e desastroso discursos
desnecessários deveriam ser
mas pululam por serem em
catadupa
alçados a líderes os charlatões
em lugar dos humanos
verdadeiros
onde os cachorros ladravam quando as caravanas
passavam?
nunca foi dito
nem sei se descobrirão algum dia
e é
correto
pra que perder tempo em saber o que não importa?
e o
que importa afinal?
esse desespero aplacado do pobre animal se
descabelando
na manhã do último dia do ano 31 de dezembro e
gritando Auau
sim, esse silêncio não tem preço
ele feliz
abanando o rabo e calado
e nós bípedes construtores de
caravançal
e tanto mais – nem sempre que valha a pena – cheios de tudo
além do AuAu
despojados da condição animalesca
ditos e auto-proclamados civilizados
entretanto
não temos rabo
pra balançar
portanto rimos
do leve sorriso da Mona Lisa até a
gargalhada
e esse privilégio humano é gratuito
o preço pago
pra se chegar aqui
foram os anos nas cavernas frias e as
milhares de caravanas
que passaram
enquanto as testemunhas da
evolução humana
apenas ladravam
AuAu
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