terça-feira, 12 de fevereiro de 2013


PALIMPSESTO

Palimpsesto

o mesmo texto
ou outro texto
sobre o anterior

a raspagem para dar lugar
ao outro
o novo
enquanto o velho vira pó
o mesmo texto
e o outro texto
ambos no mesmo espaço
em tempos distintos
o mesmo texto
sobre o mesmo espaço
margens e e s p a ç o s
entre as letras
variados
ambos sobre a
mesma superfície
tão cara
apreciada e valorizada
dois apenas não
tantos mais até aguentar
tanto aguenta o espaço?
sabe-se lá!
e os outros quanto serão
valorizados ou desvalorizados
ninguém sabe
sabe-se do pó: este voa
pó de papiro ou pergaminho
será o que entra pelas janelas ainda hoje
ou está soterrado?
pergaminho e papiro - tão valiosos e raros - preservados
mas caíram em desuso
o texto?
ainda persiste
igual às margens e espaços geográficos
persistência ímpar
por quê? pra quê?
por cargas d'água
que seja   per se
e sendo apenas
valer
tanto quanto
a raspagem e o escrever
o dar valor ou esquecer
o ser e não ser
e tantos sentidos feitos somente caso se escreva
e se fale
e se pense
e se invente
por Ser uma invenção contínua igual a vida
de quem vive
tal o palimpsesto
raspado e reescrito
com resquícios da anterior escrita
a nova sobre a antiga
nem que seja pra dizer
a mesma coisa
mas que se reflita
se for a mesma
reescrita
já será outra e pronto
servindo assim o espaço pra abrir
ao ser raspado
um novo espaço

e o pó levado aos quatro ventos
e talvez aspirado por alérgicos - coitados - espirrarão
e gotículas de textos em pó voarão
ou a tosse incômoda dos bronquíticos
em perdigotos incontáveis
espalhando os textos
invenção distante
longínqua deste mundo tão
ou quase
inteiramente
descartável
o Palimpsesto foi o primeiro artigo descartável!
e caro
e admirado
e a escrita percorre sobre
tão sedutora
e espantosamente duradoura superfície
até hoje nos chega
somente demudada daquela bela e valorizada
arte e ciência esotérica
domínio de tão poucos
banalizada agora sem quase necessidade
de borrachas ou teclas delete
ainda que se escreva e que se apague
ainda que se invente e se raspe
aonde está o valor? a que se dá?
dá-se o valor ao palimpsesto e às escritas e às vidas e invenções e atos e gestos e sentimentos e delicadas rendas e artes e pescas e caças e
semeaduras escorrem por terras longínquas
igualmente ninguém deseja morrer embora se morra queira ou não queira
valorizar e ser
a cafeteira elétrica ou vídeo game moderno tendo mais cartaz que o Texto
que esta caligrafia horrenda minha ou de vocês - de mim sei
eu sempre preguiçosa de preencher cadernos de caligrafia -
primário distante
memórias
Tudo ao soar do relógio de corda ou bateria ou ao por e nascer do sol
Tudo vai sem volta
o pó voando
e o texto sendo feito
o palimpsesto em desuso
e modernos computadores sendo despejados no mercado aos sôfregos consumidores
sonhos de consumo
e textos escritos e reescritos sem deixar resquícios
as sombras
os mal raspados
as marcas de traços
indicações de frases ou palavras ou letras
a invenção da palavra
texto
livro
a invenção de que se é no mundo e o mundo é um Lar - doce Lar -
ou ninho ou Planeta vagando num Universo infinito
a constatação dolorosa do minguado tamanho
a enorme fragilidade
das limitações - sobretudo do Tempo - nosso
a sabedoria - sapiência -
saber que se sabe tanto e se morre mesmo sabendo
ou sem saber - é igual -

ser palimpsesto na vida
ser raspado e dar lugar
ao novo texto
virar poeira o antigo corpo
ser reescrito a cada ciclo
ainda os restículos
há que se ter coragem de se raspar
e de se reescrever
e de se ler o novo
e admirar o espaço geográfico
vasto e sem limites - exceto o espaço físico - corpo minguado
porém ser palimpsesto na alma - ela exista ou não -
onde não há fronteira nem limitação alguma
reescrevendo e reescrevendo e reescrevendo
tudo
até as próprias ilusões
e ao se voltar à vida comum e banal
ver como sendo Palimpsesto se é humana total
e quanto o valor do espaço da tinta da raspagem do texto da caneta do lápis ou o que seja
e do leitor - sobretudo -
é real
constatar: palimpsesto que seja que sejamos!

escrevermos uma história nova ao nosso velho mundo
e sermos mais doces com a palavra dita tanto quanto com a escrita
e deixarmos a vida sem o peso de tê-la vivido mal vivida
e de que o mundo esteja melhor daqui pra lá
palimpsestos reescritos tantas vezes até virarem pó
e à última raspagem seja do último texto
sem salvar em discos rígidos
nem em cópias leves
Salvos por ventos longínquos que os levarão
e neste texto derradeiro estando a verdadeira
definitiva intenção do recomeço
embora na vida não dê tempo pra tantos
estando ele ainda vivo transmudado em pozinho
vivo na existência
na insistência
na resistência
na imanência
na consciência de saber da finitude da vida e de tudo que não seja inteiro verdadeiro
absolutos prazeres permeiam a jornada
entre os quais raspar o texto anterior
escrever outro e ler aproveitando o suporte e dando cores lindas à palavra escrita
e sentido ao pensamento tido
Palimpsesto é isto:
as ideias fixas e a memória esquecida no mesmo papiro pergaminho papel bytes
enfim
um corpo escrito
Leitores existirão?



























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