domingo, 10 de fevereiro de 2019

Poema de 2011


                                  (Para um cão meu vizinho que late)

O cachorro late
               incansável
     sem pausa
    nem respira
indiferente se hoje é o último dia
                                   de 2011
 ele só late sem se preocupar de acordar a vizinhança
de repente pára
 dá uma latidinha fraca e pára
 alguém chegou? algo aconteceu?
 sua vontade foi saciada ou talvez o estorvo retirado
o cão se cala
 o latido é a fala dos cães e AuAu é tão pouco
 usam a entonação o volume
 e dão ênfase ao dizer
 mas é só AuAu e é pouquíssimo
                              a quem tem tanto a dizer
 há um desespero incrustado 
em certas horas de impossibilidade
 em se expressar
 ele então abana o rabo
 essa compensação é um achado – mas há uns sem rabo – 
e nós humanos cheios de palavras
 fonemas que não acabam
 mais neologismos e grunhidos
 estalos de língua
 assovios
 dispomos de tanto
 às vezes para dizer tão pouco ou nada
 e – pior – quando se fala negatividades
 insultos e desastroso discursos 
                             desnecessários deveriam ser
 mas pululam por serem em catadupa
alçados a líderes os charlatões
 em lugar dos humanos verdadeiros

 onde os cachorros ladravam quando as caravanas passavam?
 nunca foi dito
 nem sei se descobrirão algum dia
 e é correto
 pra que perder tempo em saber o que não importa?
 e o que importa afinal?
esse desespero aplacado do pobre animal se descabelando
 na manhã do último dia do ano 31 de dezembro e gritando Auau
 sim, esse silêncio não tem preço
 ele feliz abanando o rabo e calado
 e nós bípedes construtores de caravançal
 e tanto mais – nem sempre que valha a pena –  cheios de tudo 
além do AuAu
 despojados da condição animalesca
 ditos e auto-proclamados civilizados
 entretanto
 não temos rabo pra balançar
 portanto rimos
              do leve sorriso da Mona Lisa até a gargalhada
 e esse privilégio humano é gratuito
 o preço pago pra se chegar aqui
 foram os anos nas cavernas frias e as milhares de caravanas
 que passaram
enquanto as testemunhas da evolução humana
     apenas ladravam
AuAu

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